sábado, agosto 09, 2025

Ainda me lembro da Pipoca

 

Quem abrirá a porta ao gato quando eu morrer?, pergunta o Rómulo,
E o que será do seu corpo redondo, tão gordinho, tão sábio,
com seus olhos sempre à espera da carícia,
do passo que, mesmo após a morte, ainda guardará o eco do meu gesto?
Ah, quem? Quem será capaz de adivinhar
os segredos que ele esconde,
aquela unhada tímida no tornozelo
que, se fosse um abraço, seria o meu último sopro de vida?

 

Ele, o rei da cama, tão discreto,
com seu disfarce de bolinha acolhedora,
não percebe que a sua forma nunca se esconde,
que a barriga cheia de carícias se impõe,
como um eco da minha presença que, no fundo,
ele também conhece sem saber.

 

E quando a porta bater,
será que o vejo correr, sempre rápido,
sempre voltando ao meu lugar,
onde ainda me sinto, onde ainda me ouve,
como se o tempo se recusasse a levá-lo?

 

Ah, quem abrirá a porta ao gato
quando o silêncio se estender sobre a casa?
Ele, que sempre me viu nas sombras da manhã,
sempre foi mais fiel do que qualquer alma,
saberá, ele, o que me resta?


Saberá ele da última resposta
que deixo nas suas patas,
no último olhar que, com os olhos fechados,
também lhe serei?

 

Ele morreu primeiro.
E a casa ficou mais vazia,
não pela ausência do corpo,
mas pela falta daquelas patinhas rápidas,
do seu corpo redondo que, ao procurar refúgio,
tomava o meu lugar,
como se, de algum modo, já soubesse
que o nosso tempo era finito,
e o dele, talvez, mais breve.

 

A porta, que antes se abria ao seu olhar curioso,
agora já não tem os seus olhos a esperá-la.
E onde ele corria, agora é só o eco
do vazio que ele, com sua pequena alma,
deixou. O hábito da unhada carinhosa
não tem mais quem o receba.
Quem serei eu, agora,
se já não sou a mão que o acariciava?

 

Como explicar ao silêncio
que, mesmo o pequeno corpo, redondo e cheio de graça,
era mais forte do que o próprio lamento?
E como contar que, na dor do adeus,
foi ele quem me deixou antes,
me ensinando que a partida de quem amamos
não é um golpe,
mas um suspiro do que, de mais puro,
o amor se torna — um vazio que nos completa,
sem nunca nos deixar.

 

E agora?
Quem abrirá a porta ao gato,
se ele, antes de mim, já a fechou?

quarta-feira, agosto 06, 2025

O verdadeiro crime

 

O fogo, essa besta insaciável,
não brota do nada,
mas da ignorância que se estende,
como o fumo que se espraia sem vergonha.
E não venham com a ladainha
de que o calor é imprevisível,
quando o verdadeiro crime está em quem deixa a terra
à mercê da morte, sem nunca a preparar.

 

Ah, se soubessem que o inverno
é o tempo da guarda, da ação antecipada,
mas não. Preferem esperar pela labareda,
depois que a terra já chora sua cinza,
depois que os bombeiros, esses heróis acidentais,
têm de enfrentar o inferno que poderia ser evitado,
se ao menos alguém tivesse feito a lição antes.

 

Pois que importa a neve que cai,
se a terra queimada não conhece o inverno?
Mas ninguém se importa com isso.
Os que podem prevenir preferem olhar para o lado,
dar o ombro aos esquemas sujos,
e, quando a tragédia chega,
vem com a desculpa de que é impossível evitar.
Mas é apenas falta de vergonha,
de quem aproveita do fogo o que o fogo não pede.

 

Os bombeiros não têm culpa,
eles fazem o que podem,
mas a culpa está em quem não vê
que o inverno é o tempo de fazer
o que a razão exige,
antes que o fogo comece,
antes que a terra clame pela sua alma perdida.
Mas ninguém, claro, se importa com isso.
Deixam arder e depois,
cheios de um falso arrependimento,
dizem que o fogo veio do nada.
E nós, que ficamos,
só temos as cinzas e as farpas da desilusão.

terça-feira, agosto 05, 2025

Balada do Prédio em Noite Roncante

Naquele prédio de betão com alma de penumbra,
reinava o mistério como um senhor de cartola
que, em vez de bater bengala no chão,
batia à porta da Dona Odete,
viúva de guerra nenhuma,
mas mártir da sua própria imaginação.

 

— "Quem bate?" — dizia ela,
com a respiração em suspense
e o robe de flanela a tremer em verso.

 

Era sempre à mesma hora,
o relógio, cúmplice da assombração,
marcava as três badaladas
do susto noturno.

 

A vizinhança?
Surda, muda, ocupada com as novelas da alma.
Do rés-do-chão ao sótão,
ninguém dera fé de vulto ou de sopro.
Afinal, o prédio era tão vivo como um domingo chuvoso.

 

Até que, do fundo do sarcasmo coletivo,
ergueu-se uma voz mais atrevida:

— “Ó Dona Odete… a senhora, por acaso, ronca?”

 

Silêncio.
Um silêncio mais indignado que o Parlamento
em noite sem subsídios.

 

— “Roncar? EU?!” —
respondeu ela, com a dignidade de quem
nunca roncou nem em versos livres.

 

Mas a teoria avançava, destemida:
— “É que, veja bem, o seu quarto é encostado ao do Senhor Rui…
Talvez ele, torturado por sinfonias nasais,
tenha recorrido ao código Morse na sua porta,
sugerindo uma mudança… de posição.”

 

— “Mudar de posição?! Nem pensar!” —
bradou Dona Odete,
erguendo-se como uma heroína trágica
num palco de ladrilhos e esquentadores.

 

E assim ficou o prédio:
entre o espanto e o riso,
com o mistério intacto
e a Dona Odete
a dormir como quem declama Camões em surdina.

Mistério Noturno no Prédio: A Saga da Porta que Bate Sozinha

No prédio da Dona Odete, há uma história que mais parece um guião de filme, só que com menos ação e mais confusão.

A Dona Odete, que já não é propriamente uma jovem promissora, jura que todas as noites alguém bate à sua porta. Ela nunca abre. Medo? Medo! E atenção, não é medo de fantasmas, é medo de “quem é que está a incomodar-me a meio do sono?”

A pobre da Dona Odete foi ficando tão stressada que passou a ser praticamente uma especialista em falar sobre o assunto, quase como um podcast ambulante: “Ontem de novo, bateu de novo, socorrooo!” Só que mais ninguém via ou ouvia algo. Os vizinhos do rés-do-chão, que estavam bem atentos ao que se passava, garantem que o prédio estava mais silencioso do que uma reunião de condomínio que acaba cedo.

 Até que alguém teve uma ideia genial que mudou tudo:

— Dona Odete, diga-me uma coisa... a senhora ronca?

— Eu? Roncar? Nunca! — respondeu ela, toda ofendida, com o orgulho ferido.

— Pois, o seu quarto fica ao lado do do senhor Rui, não é? Talvez ele ouça os seus "sons noturnos" e pense que é sinal para bater à porta e pedir para mudar de posição.

E a Dona Odete, mais ofendida que um juiz de reality show, retrucou:

— Mudar de posição? Isso nunca! O meu sono é sagrado, não aceito intromissões!

Moral da história: O mistério continua. A Dona Odete tornou-se na "rainha das portas batidas", o senhor Rui aguenta os roncos como pode, e o prédio está dividido entre quem acha que é um fantasma e quem sabe que é apenas uma sinfonia noturna desafinada.

Pedimos a alguns dos nossos poetas e criadores de serviço para escreverem algo sobre o assunto. Eles não se fizeram rogados e deram-me material para todo o dia…

sábado, agosto 02, 2025

Avatares da nossa terra. El Nuno

Chega. A caça ao freguês

 

O triciclo e o Ferraz

O caso da manivela impotente

A oficina do Domingos

Chega. A orgia do disparate

Amor... amor... amor

A cesta verde

A leitaria Guerra

Chega. A nova Sibila fala ao povo de Ourém

Mari'milia escuta as pedras

Vieira, Graça e Prino

Casa da Lili. Demolição em quatro actos

Poema para a casa da Lili

Chega. A nova Sibila de Ourém

A quinta da paciência infinita

Crónica da lojas do fim do mundo

Avatares da nossa terra. O Genito

Os dois da casa que já não existe

AD. Autárquicas. Vozes da terra e da troça

AD. Autárquicas. Seiça

Bairro

Chega. Candidata à presidência

O passar do tempo sobre a Casa Amarela

Avatares da nossa terra. O Zé Domingos

Café Avenida

Os três mestres do chafariz

Os carrinhos do posto da GNR

O carrinho do Palhete

Casa do Sol Poente

O meu caderno - Dr. Durão

Avatares da nossa terra. O Amândio

O carteiro do médico veterinário

Homenagem ao nosso amigo Cúrdia

 

sexta-feira, outubro 16, 2020

O fantasma da Feira Nova - 5

 O poder do pensamento


Não se atreveu a contar a todos os colegas, porque podiam gozá-lo. Mas contou ao seu grande amigo, o Barroso.

- Não sabes o que me aconteceu ontem na pista dos carrinhos de choque – e desbobinou a estória toda.

- Não posso acreditar… - e o Barroso batia com a mão na cabeça.

- Ainda gostava de passar por lá esta noite para ver se acontece o mesmo.

- Se quiseres, eu vou contigo. Aquilo até deve fechar mais cedo, porque não é um dos dias principais.

E, efetivamente, por volta das onze e trinta, o silêncio voltou à Feira Nova e iniciaram-se as arrumações.

O Zé Avião foi fazer as suas 20 voltas, enquanto o Barroso o esperava sentado num banco do jardim. Sempre que ele lhe passava à frente, somava um a um contador mental e assim ia controlando o tempo que tinha de esperar.

- Só eu… só eu tenho paciência para aturar este avião.

O treino do Zé Rito lá terminou e ele aproximou-se do Barroso. Parecia fresco como uma alface, não se notando nada do esforço que tinha feito.

- Já está. Vamos até lá para ver.

E dirigiram-se na direção da pista de carrinhos de choque. Nem sonhavam que essa noite o espetáculo ia ser muito mais completo.

Ainda não tinham chegado junto à pista quando as luzes se reacenderam e o Zé Avião viu repetir-se o espetáculo da noite anterior. Os dois miúdos estavam banzados com o movimento do carrinho, aparentemente sem condutor, mas que exibia uma condução que aparentemente deliciaria quem o conduzia.

Desta vez, não houve qualquer esboço de paragem junto ao Zé Avião. O carrinho seguia pela pista, muitas vezes em zig zag, gozando o momento. Passadas algumas voltas, parou e foi arrumar-se no local onde estava inicialmente.

O Zé Rito e o Barroso contemplavam tudo aquilo de boca aberta. Mas ainda não tinham visto tudo. De repente, uma espécie de fumo começou a sair de dentro do carro, parecendo algo de gelatinoso. O fumo parecia dirigir-se para o exterior da pista, parecia estar a formar uma figura conhecida.

E, então, como por encanto, viram que o Mina Guta se materializava junto deles.

- Oh! Também vieram ver a pista – dizia ele. – Esta noite, estive sempre a pensar nos carrinhos. E imaginem que até me imaginei a conduzir um deles e a andar de um lado para o outro sem mais ninguém me incomodar. É engraçado, não é?

Olharam-no aterrorizados. Que estranho poder teria aquele miúdo para conseguir fazer deslocar um carrinho de choque…

- Sim… sim… é engraçado. – e desataram a fugir na direção de casa como se tivessem visto um fantasma.

O Mina Guta contemplou-os admirado. Deitou uma última olhadela à pista e foi dormir com a convicção de que ali voltaria no dia seguinte.

Quanto ao Zé Avião, não fez mais voltas ao jardim enquanto a pista de automóveis ali estava. Ele e o Barroso combinaram não divulgar esta estória para não serem tidos como maluquinhos… mas o Estorietas tem provas de que ela realmente se passou. Talvez um dia as divulgue.



FIM


quinta-feira, outubro 15, 2020

O fantasma da Feira Nova - 4

 Encontros do 3º grau no primeiro dia de Feira


Durante a tarde, a feira fervilhava. Por todo o lado se fazia negócio, se jogava, se utilizavam as diversões. O som dos carrinhos de choque tomava conta de tudo criando uma animação muito especial.

O Zé Rito (Avião) e o Mina Guta encontraram-se na rua da Olaria e foram na direção da feira.

- Vamos dar uma volta nos automóveis – dizia o Zé Rito.

- Não posso. Não tenho dinheiro – e rapidamente o Mina Guta contou a estória passada na padaria.

- É muito injusto – disse o avião. – Mas podes acompanhar-me no meu carro e fazes tu de piloto virtual.

Assim, o Mina Guta, apesar de não conseguir sentir toda a adrenalina dos carrinhos de choque, conseguiu fazer algumas viagens nos mesmos como pendura do Avião.

A noite chegou e a diversão continuou por algumas horas. O Zé Rito e o Mina Guta foram jantar e pouco depois regressavam.

- Agora vou andar no Carrossel – disse o Zé Rito. – Não te posso levar porque ali cada um paga.

- Não faz mal. Vou até ao Poço da Morte. Mesmo que não tenha uma borla, sempre posso ouvir o ruído.

A noite foi passando. O Zé Avião não voltou a encontrar o Mina Guta.

«Se calhar, já se foi deitar…».

Por volta da meia-noite, as pessoas começaram a recolher. Os divertimentos começaram a ser desligados.

«Vou fazer a minha maratona no jardim…»

Era um hábito do Avião. Todas as noites fazia 20 voltas ao jardim, utilizando o seu circuito interior mais largo. Mantinha assim excelente forma física.

Quando terminou, saiu perto da Câmara e tomou a direção de casa. Não se via ninguém. Silêncio. Escuridão.

Passou junto aos carrinhos de choque. Ali estavam eles, na sua pista, bem arrumadinhos a descansar para o próximo dia de feira.

«Era bom que todos os dias do ano fossem assim.»

De repente, sentiu um arrepio. As luzes da pista ligaram-se e, sem se ver qualquer pessoa, um dos carrinhos começou a deslocar-se. Ficou de boca aberta.

«Mas… não é possível.»

O carrinho continuava o seu caminho. O Avião iria jurar que, quando passou junto a si, afrouxou e quase pareceu convidá-lo a entrar. Depois, acelerou, deu mais uma volta e estacionou. As luzes foram desligando e o silêncio e a escuridão voltaram ao local.

«Amanhã, ninguém acreditará em mim no CFL. Há um fantasma na pista dos carrinhos de choque.»


quarta-feira, outubro 14, 2020

O fantasma da Feira Nova - 3

 Aquele olhar


Uma das casas que circundava o Largo era a casa da Júlia Padeira. Como calculam, funcionava ali uma padaria. Tantas vezes o Estorietas assistiu ao modo como o senhor Zé Maria introduzia ou retirava o pão do forno, podendo depois deliciar-se com o seu sabor.

Era magnífico o pão daqueles tempos: as carcaças, os bicos, o pão escuro, a broa… sabores tão diferentes daqueles que desfrutamos agora.

A verdade é que o Mina Guta também se abastecia na padaria da Júlia Padeira. Todos os dias ali ia buscar o seu pão e todos os dias sentia o olhar profundo daquela senhora, avó do Quim e do Julito. Aquele olhar perturbava-o um pouco, mas não falava muito nisso. A verdade é que, em Ourém, dizia-se que aquela senhora tinha certos poderes… poderes especiais… esotéricos…

Quem não punha os pés naquela padaria era a Teresinha, apesar de muito perto dos seus domínios. Sempre que a Dona Estefânia lhe dizia para comprar pão, ela simulava passar por ali e ia à loja do sr. Oliveira onde não tinha de suportar um olhar que lhe metia medo e podia encontrar mais alguns colecionáveis.

Na quinta-feira em que a Feira Nova foi inaugurada, uma avalanche de gente caiu na padaria. No meio deles, estava o Mina Guta que, a custo, conseguiu chegar ao pequeno balcão e entregar a sua saca e o dinheiro para a ração habitual. No regresso com o pão e, depois de aviar mais três clientes, a velha senhora disse para o Mina Guta:

- São dois escudos…

O Mina Guta contemplou-a admirado:

- Mas eu já paguei…

- Não, não, não entregaste dinheiro nenhum. Este senhor à tua esquerda é que pagou…

O homem apressou-se a reforçar a confusão:

- É verdade. Vi muito bem que esse menino só entregou a saca para o pão. O dinheiro que levou era meu.

- Faz favor, pagas, senão não levas o pão…

E que fez o Mina Guta, honesto como sempre? Utilizou o dinheiro que tinha juntado para os carrinhos de choque a pagar o pão que já tinha pago…

O resto do dia foi um desespero para ele. Sentia-se estranho. Não deixava de recordar aquele olhar que parecia tê-lo perpassado. E interrogações constantes tomavam conta dele. Como poderia utilizar os carrinhos de choque? Como poderia ver o Poço da Morte?

«Paciência. Vou ver o que puder… e a minha imaginação fará o resto.»

Abençoado o reino dos humildes…


terça-feira, outubro 13, 2020

O fantasma da Feira Nova - 2

 Assim falava Zezetusta


O Mina Guta era um gajo muito especial. Vizinho do Estorietas, nutria por ele uma daquelas amizades que só aquelas idades são capazes de gerar. Jogavam futebol no Largo, jogavam ao berlinde ou ao pião nas ruelas.

Mas a sua amizade manifestava-se de uma forma especial. Sempre que via o Estorietas, depois do cumprimento inicial, a pergunta sacramental era:

- Então, quando é que vais embora?

Grande amigo, hem?... 

A razão para o seu nome era simples, julgo que quase todos os amigos do Largo se lembram. O Mina Guta tinha um irmão, o Zézé, um puto muito mais novo e que dizia muitas vezes aqueles disparates das idades infantis. E um dos que dizia muitas vezes era:

- Mina Guta é puta…

E o Augusto ficou Mina Guta para todo o sempre.


segunda-feira, outubro 12, 2020

O fantasma da Feira Nova - 1

Nas vésperas do grande acontecimento


Aproximava-se o grande momento. Os carrinhos de choque já se amontoavam nas imediações da Câmara e toda a estrutura de montagem acumulava-se junto ao posto da GNR. Os cavalinhos, girafas e bancos do carrossel esperavam junto ao velho depósito do qual saia um cheiro nauseabundo.

A miudagem andava de um lado de outro antecipando as novidades. Um deles era o nosso querido Zé Avião.

- Dizem que este ano também vem o Poço da Morte.

- É, pá, adoro isso – respondeu o Mina Guta. – E tenho a impressão de também vamos ter aviões. Estão ali alguns objetos que me fazem lembrar as formas deles…

Nesse momento, aproximou-se a Livinha que era colega do Avião na CFL.

- Então, Zé, hoje faltaste às aulas?

- Vim só dar uma corridinha para ver as novidades da feira.

- E apuraste alguma coisa?

- Nada de novo. Parece tudo igual ao ano passado. Bom… ainda vou ter uma aula, tenho de partir.

Ligou a mota virtual…

- Truummm! Truummmm! – tudo ruído real produzido por ele. – Mais logo, volto cá para ver como está a montagem das coisas.

- Não te esqueças de nos informar…

O Avião acelerou e partiu a toda a velocidade na direção do CFL. Pouco depois, assistia a uma aula de História, mas todo o seu pensamento concentrava-se na quinta-feira que se avizinhava e em que poderia desfrutar de muitos dos divertimentos que se anunciavam.

Por seu turno, o Mina Guta coçou a cabeça e resolveu ir até casa, uma casinha branca colada à casa vermelha do início da Rua de Castela. A sua mente também fervilhava com as novidades que se avizinhavam. Mas ele não era dos que podia gozar muito aqueles divertimentos. Pouco abonado, deixava a sua imaginação fluir e imaginava-se a utilizar aquelas máquinas maravilhosas substituindo os pilotos que as conduziam. Por vezes, até jurava que elas se mexiam de verdade…


sábado, setembro 19, 2020

El Cisco e el Panchito: a ruptura

O regresso para a habitual feira

El Cisco e Juanico, el Panchito chegaram a Ourém com o objetivo de participar na famosa feira anual. El Cisco pensava em Lucy e Flor Vermelha. Cada vez mais sentia a necessidade da sua presença e da sua companhia. Já Juanico só pensava em comidinha, no magnífico borrego do Bengala e nos cozinhados de Dona Estefânia. El Cisco trazia um ar de sonhador, Juanico parecia esfomeado…

sexta-feira, setembro 18, 2020

El Cisco, a figura de ficção que desejavas ser

 

1. A jovem dos cabelos de ouro

Houve um momento em que o Estorietas se julgava essa figura lendária do Oeste que foi el Cisco Kid. Ele imaginava-se a atravessar os locais visitáveis de Ourém no seu corcel Diabo, acompanhado dessa figurinha balofa e hilariante que era Juanico, el Panchito. Enquanto el Cisco pensava nas lindas garotas que poderia encontrar nos subúrbios, el Panchito sonhava com a boa comidinha que encontraria nas casas de pasto.
Um dia, foram passear para os lados do Castelo e os pensamentos deles cumpriam o costumeiro ritual. De repente, el Cisco olhou do alto do seu corcel na direção de um jardim e chamou a atenção do amigo.
- Olha, Panchito, é ouro, verdadeiro ouro… - e apontou na direção do jardim.

sexta-feira, junho 19, 2020

Um encontro casual

No sábado seguinte, na cabana na Urqueira, a Deolinda procurou o João.
- O meu irmão quer que o acompanhes às compras para os ajudar a trazer as coisas. Vai tomar banho para não chamares demasiado a atenção e tem cuidado durante a deslocação, pois, se fizeres algum movimento em falso, eles não são meigos.
- Não me obrigues a ir. Não me apetece sair daqui.
A rapariga ficou irritada.
- Faz o que te digo. Olha que te arrependes.
Nesse momento, apareceu o pai da rapariga.
- Então, isso está demorado?
- Ele diz que não quer ir convosco.
- O quê? – avançou rapidamente para o João e enfiou-lhe um murro no olho esquerdo.
O rapaz caiu no chão e, quando esboçou o gesto de se levantar, viu que o indivíduo se preparava para o pontapear. No entanto, a rapariga interpôs-se.
- Pai, não precisas ser tão violento. Eu tenho a certeza que ele vai convosco.
- Então que se despache.
Daí a pouco, um estranho trio circulava pela Urqueira a adquirir alguns bens essenciais para a sua subsistência. Quando entraram na loja do ti’Alberto, o Amândio ia a sair e reparou neles. Ele não conhecia o João, mas a sua cara fez-lhe lembrar alguma coisa.
«É estranho. Aquele rapaz nada tem a ver com aqueles indivíduos. Acho que já o vi em qualquer sítio.»
Esperou que eles saíssem da loja e reparou então que tratavam o João como um criado sem direitos dirigindo-se para uma azinhaga e pouco depois desaparecendo da sua vista.
«Já sei, é a ciganada que construiu a cabana de madeira lá atrás. Mas o rapaz parece contrariado.»
E, de repente, fez-se luz.
«Já sei, é o miúdo pelo qual oferecem uma recompensa em Ourém Tenho de avisar o Estorietas.»
Foi buscar a bicicleta e pôs-se a caminho de Ourém, pedalando a toda a velocidade. Demorou cerca de meia-hora a chegar à casa rosa da Rua de Castela onde pôs o seu amigo ao corrente do que se passava.
- Vamos falar com o Dr. Preto para ele decidir.
Pouco depois, o Dr. Preto e a GNR estavam ao corrente da localização do João e seus sequestradores e uma força policial pôs-se a caminho da Urqueira tendo procedido à libertação do João e efetuado a prisão da Deolinda e seus familiares.
O Estorietas e o Amândio recusaram a recompensa, mas aceitaram um lauto banquete no restaurante do café Avenida na companhia do Dr. Preto. Ainda estavam a meio da refeição quando viram o João entrar e saudaram-no.
O Estorietas levantou o seu copo e afirmou:
- Bebo à tua saúde, amigo João. Não te esqueças de fazer outro disparate para termos recompensas como estas…
- Não haverá mais disparates – garantiu o Dr. Preto. – Vou cortar-lhe a mesada e as saídas. E, para o acalmar, vou receitar-lhe uma coisa que ele próprio sugeriu há uns dias: um clister diário com sedativo. De certeza, não terá vontade de fazer mais disparates.




FIM

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